segunda-feira, 5 de março de 2012

Propostas Psicoterapêuticas Para Vítimas Do Ciúme Patológico


Propostas Psicoterapêuticas Para Vítimas Do Ciúme Patológico

Autor: Thiago de Almeida

Thiago de Almeida*

Valéria Centeville**

Profa. Associada Leila de La Plata Cury Tardivo***


"Os ciumentos sempre olham para tudo com óculos de aumento, os quais engrandecem as coisas pequenas, agigantam os anões e fazem com que as suspeitas pareçam verdades." (Cervantes).


                  Entre todos os tipos de ciúme citados na literatura científica, o ciúme romântico, isto é, aquele que ocorre em relacionamentos amorosos, é um dos que tem despertado maior atenção de psicólogos e leigos. Segundo alguns teóricos, ele seria inerente, isto é, constitutivo da natureza humana de maneira com que todos nós seríamos ciumentos em maior ou em menor grau. Todos sentimos ciúme e não somente as pessoas que amam ou as que estão vinculadas afetivo-sexualmente a algum(a) parceiro(a). Ele pode ocorrer em quaisquer tipos de relacionamentos, mas está comumente associado aos relacionamentos amorosos (BRINGLE, 1995).

            O ciúme romântico não somente é um dos mais importantes temas que envolvem os relacionamentos humanos, bem como um desafio para muitos destes (CENTEVILLE; ALMEIDA, no prelo). Dentre as mais diferenciadas emoções humanas, o ciúme é uma emoção extremamente comum (KINGHAM; GORDON, 2004). Todos nós cultivamos certo grau de ciúme e alguns especialistas dizem que algum nível de ciúmes é necessário em todo relacionamento. Afinal, quem ama cuida.

            O sempre muito discutido e complexo fenômeno denominado “amor” geralmente é acompanhado de um outro fenômeno relacionado ao ciúme que é o de cuidado, de zelo para com a pessoa amada, concebido enquanto ciúme. Quem verdadeiramente ama, quem quer bem, cuida para que a pessoa amada se sinta realmente bem, acolhida, querida, respeitada. O ciúme normal é uma função que cuida e protege o amor, alertando a consciência sobre seus diferentes estados e limites. Ele faz pensar sobre a beleza, a profundidade, a criatividade e as maravilhas do amor. Logo, todos nós, alguma vez, em um maior ou em um menor grau já o sentimos. As pessoas costumam dizer que o ciúmes é o tempero do amor, aquela pitada que o incrementa, mostrando que o interesse mútuo permanece aceso. O ciúme, então, se configura como um conjunto de emoções desencadeadas por sentimentos de alguma ameaça à estabilidade ou qualidade de um relacionamento íntimo valorizado. As definições de ciúme são muitas, tendo em comum três elementos:

1) ser uma reação frente a uma ameaça percebida;
2) haver um rival real ou imaginário e;
3) a reação visa eliminar e/ou diminuir os riscos da perda do objeto amado.

               Para muitos, teóricos da área e para as pessoas em geral, o ciúme é uma manifestação de afeto, zelo ou até mesmo de amor que uma pessoa sente por outra. Contudo, como este desvelo pode variar na interpretação de uma pessoa para a outra, de forma análoga, o ciúme também o variará. Entre todos os tipos de ciúme citados na literatura científica, o ciúme romântico, isto é, aquele que ocorre em relacionamentos amorosos, é um dos que tem despertado maior atenção de psicólogos e leigos. Segundo alguns teóricos, ele seria constitutivo da natureza humana de maneira com que todos nós seríamos ciumentos em maior ou em menor grau. Ele pode ocorrer em quaisquer tipos de relacionamentos, mas está comumente associado aos relacionamentos amorosos. Portanto, desenvolve-se quando sentimos que nosso parceiro não está tão estreitamente conectado conosco como gostaríamos (ROSSET, 2004). Ainda no tocante ao ciúme, observa-se que a linha divisória entre imaginação, fantasia, crença e certeza freqüentemente se torna vaga e imprecisa. No ciúme as dúvidas podem se transformar em idéias supervalorizadas ou francamente delirantes. Depois das idéias de ciúme, a pessoa é compelida à verificação compulsória de suas dúvidas (BALONE, 2004).

              Muito tem sido cogitado a respeito desse fenômeno chamado ciúme, que tantas vezes se instala em nós e em quem amamos, e que priva a tranqüilidade, a concórdia e a confiança de nossos relacionamentos que nos são caros. É importante falarmos a respeito de um tema como este porque provavelmente, em algum momento da vida, ou por ele seremos afetados por sentirmos ciúme, ou ainda, porque seremos vitimizados como alvo de uma pessoa ciumenta. Dessa maneira, em algum momento da vida, por nos depararmos com esta possibilidade é necessário sabermos a diferença entre o ciúme considerado ‘normal’ e o ‘patológico’, dentre outras propriedades do ciúme.


O ciúme patológico (ou Síndrome de Otelo).

                O conceito de ciúme mórbido ou patológico, também chamado de Síndrome de Otelo, em referência ao drama shakeasperiano, escrito por volta do ano de 1603, compreende várias emoções e pensamentos irracionais e perturbadores, além de comportamentos inaceitáveis ou bizarros (LEONG et al, 1994). Envolveria muito medo de perder o parceiro para um rival, desconfiança excessiva e infundada, gerando significativo prejuízo no funcionamento pessoal e interpessoal (TODD; DEWHURST, 1955). Esses casos estão cada vez mais acorrendo à clínica, onde casais buscam suporte para sua dinâmica conturbada por esse fenômeno.

               O que aparece no ciúme patológico é um grande desejo de controle total sobre os sentimentos e comportamentos do companheiro. Há ainda preocupações excessivas sobre relacionamentos anteriores, isto é, ciúme do passado dos parceiros, as quais podem ocorrer na forma de pensamentos repetitivos, imagens intrusivas e ruminações sem fim sobre fatos de outrora e seus detalhes (CAVALCANTE, 1997). Esses sentimentos envolveriam um medo desproporcional de perder o parceiro para um rival (real atual, ex-parceiros, ou mesmo, rivais imaginários), desconfiança excessiva e infundada, o que provoca um significativo prejuízo no relacionamento interpessoal. O ciúme patológico, então, corresponde a uma preocupação infundada, absurda e emancipada do contexto. Enquanto no ciúme não-patológico, o maior desejo é preservar o relacionamento, no ciúme patológico haveria o desejo inconsciente da ameaça de um rival (CAVALCANTE, 1997).

                Um pensamento que ecoa pelo cotidiano é o dito que tudo o que é bom dura pouco. Por que, a despeito da imensa capacidade criativa e de se adaptar do ser humano, será que continuamos a recriar os mesmos relacionamentos, geralmente, fadados ao fracasso que tanto rejeitamos? Nesse sentido, o ciúme provém do medo de ser excluído de uma relação. Será mesmo verídica a necessidade de se passar à vida toda temendo o fim de um grande amor? Ou talvez, precisamos aceitar a idéia de que o amor não é para todos? Por que o ‘eu te amo’ de ontem parece não valer mais para hoje? Por que geralmente temos em mente que para encontrar e viver um amor que nos satisfaça precisamos ser dotados de sorte ou de algum tipo de poder mágico de encantamento? E o que nos acontecerá se perdermos a amada pessoa que nos é tão cara, de modo que ela passe a se interessar por alguma outra pessoa que nos substituirá no mesmo papel que anteriormente representávamos para a vida dela?

O ciúme é um fenômeno intrínseco. Muitas causas são desconhecidas e muitas vezes não existem motivos, mas o ciúme existe em todos nós, mesmo que em pequenas proporções. Logo, o ciúme é uma emoção humana comum e universal, por isso, é mais difícil diferenciar o ciúme normal do patológico. Porém, enquanto o Ciúme Normal é passageiro e desencadeado por fatos reais, o Ciúme Patológico seria uma preocupação infundada, exagerada e absurda. No ciúme não-patológico o maior desejo é preservar o relacionamento, no Ciúme Patológico haveria o desejo inconsciente da ameaça de um rival (KAST, 1991). 

            Claro, porque se teme tal encontro com parceiros potencialmente mais atraentes e gratificantes do que nós mesmos, alimenta-se repetidas vezes a insegurança. Nesta intensificação progressiva e, por conseqüentemente, se encarar os relacionamentos amorosos como empreitadas de alto risco e, talvez com não tão significativos benefícios, vive-se em busca de se tirar o melhor de cada um, a cada momento, numa dinâmica contraproducente à qualidade de qualquer relacionamento. Dessa forma, acordos pré-nupciais já prevendo futuras rupturas e abandonos, palavras cada vez de menor valia e promessas cada vez mais rigorosamente supervisionadas a fim de serem cumpridas são realidades cada vez mais presentes na vida de inúmeros casais que clamam por uma atenção especializada, para que a qualidade e a própria estrutura do relacionamento não seja indelevelmente comprometida. Estas e muitas outras ruminações mentais a respeito do amor e seus desdobramentos, distorcem e afastam mais e mais as pessoas umas das outras ao invés de encaminhá-las para serem felizes juntas e unidas por um mesmo ideal.

Geralmente associamos a experiência do ciúme como uma emoção profundamente negativa que surge quando uma relação importante é ameaçada por um rival. Mas, será que o ciúme tem somente uma função negativa? Ele possui uma natureza paradoxal e, dependendo das suas dosagens e manifestações nos relacionamentos, servir tanto para aproximar casais, bem como para afastá-los. Alguns dizem ser o tempero de uma relação, e pode até ser, desde que em sua dosagem certa, levando-se em consideração que a  falta de ciúme soa com um “estou nem aí”.

        Algumas vezes, o ciúme e a preocupação em perder a pessoa com quem estamos nos relacionando, transforma-se, constantemente, no estopim do crime passional. Dessa forma, homicídios perpetrados contra esposas, companheiras, ex-esposas e ex-companheiras, abordando a relação conjugal e as matizes que determinam, como curso deste relacionamento, sucessões de atos violentos que em alguns casos possam levar à morte. A dependência emocional, mais que a econômica, é que faz a mulher suportar agressões.

           O ciúme patológico pode ser considerado também uma doença com conseqüências físicas e psicológicas para ambas as partes, para o ciumento e para a vítima do ciúme. Existem pessoas que passam do limite por medo de perder o bem amado ou simplesmente por insegurança e falta de confiança em si próprio ou no outro. Então, o ciúme patológico é uma reação complexa porque envolve um largo conjunto de emoções (dor, raiva, tristeza, inveja, medo, depressão e humilhação), pensamentos (ressentimento, culpa, comparação com o rival, preocupação com a imagem, autocomiseração) reações físicas (taquicardia, falta de ar, excesso de salivação ou boca seca, sudorese, aperto no peito, dores físicas) e comportamentos (questionamento constante, busca frenética de confirmações e ações agressivas e mesmo violentas). Trata-se de um problema que acomete ambos os sexos e não costuma obedecer nenhum nível social, econômico, religioso ou cultural específico, como poderiam pensar alguns. Quando a idéia de que estar num relacionamento amoroso implica, para algum dos seus partícipes, e o exercício da propriedade que os impele a inveredarem pelos caminhos do poder, da ganância, da posse e, sobretudo, da competição, talvez seja a hora de pensarmos em um diagnóstico de Ciúme Patológico.

          O ciúme patológico pode causar inúmeros transtornos no contexto de um relacionamento amoroso, podendo prejudicar, inclusive, outros âmbitos da vida de uma pessoa, como o social, o profissional, o familiar e o íntimo, provocando, por vezes, sérios conflitos. Para CLANTON (1998) o adulto torna-se ciumento quando acredita que o casamento ou o relacionamento romântico no qual está inserido está ameaçado por um rival real ou imaginário. Levando-se em consideração o que foi colocado anteriormente, pode-se dizer que as pessoas ciumentas permanecem ambivalentes entre o amor e a desconfiança de seu parceiro, tomando- se perturbadas, com labilidade afetiva e obcecadas por triangulações, muitas vezes imaginárias. Dessa forma, os ciumentos conflitam entre o medo de descobrir a infidelidade real dos seus parceiros, e, não ocorrendo a situação da infidelidade, descobrir que sofre de uma forma de um delírio de ciúme (HINTZ, 2003). Os acometidos pelo Ciúme Patológico comumente realizam visitas ou telefonemas de surpresa em casa ou no trabalho para confirmar suas suspeitas. Os companheiros(as) desses pacientes vivem dissimulando elogios e presentes recebidos ou omitindo fatos e informações na tentativa de minimizar os graves problemas de ciúme, mas geralmente agravam ainda mais.

              Pessoas excessivamente ciumentas estão em constante busca de evidências e de confissões que confirmem suas suspeitas, mas, ainda que confirmada pelo(a) companheiro(a), essa inquisição permanente traz mais dúvidas ainda ao invés de paz. Depois da capitulação, a confissão do companheiro(a) nunca é suficientemente detalhada ou fidedigna e tudo volta à torturante inquisição anterior, ruminando suspeita por algo mais (BALLONE, 2004).

                 Então, o que se manifesta no Ciúme Patológico é um grande desejo de controle absoluto sobre os pensamentos, sentimentos e comportamentos do(a) companheiro(a). Há ainda preocupações em demasia a respeito dos relacionamentos anteriores, as quais podem ocorrer como pensamentos repetitivos, imagens intrusivas e ruminações sem fim sobre fatos passados e seus detalhes e ainda de determinadas pessoas inseridas no cotidiano dos parceiros que são vítimas do ciúme patológico.

               O criminologista e autor do livro Amour et Crimes d’Amour (Amor e Crimes Amorosos), Etiène De Greeff, considera que quando o ciúme repercute em um relacionamento é impossível compreender o papel da razão e da lógica. Assim, as razões que o ciumento cita em seu discurso para uma traição em potencial podem parecer até bastante coerentes e pautadas na realidade, contudo, muitas vezes, são superficiais e se apóiam em premissas falsas (DE GREEFF, 1942/1973). Concordante a esta idéia para ASUÁ (1990) o ciúme é visto como um fator preponderante nas conflitivas conjugais, principalmente, nos casos de crimes passionais.

                Freqüentemente, que até então era zelo e cuidado, a serviço de valorizar o amor e o vínculo da exclusividade entre os parceiros, acaba sendo expresso como vigilância cerrada e injustificadas punições aos parceiros. O ciumento permanece em um estado de constante vigília, ansioso, estressado e aflito, é intempestivo nas atitudes que toma, prevalecendo freqüentemente atitudes agressivas, acusadoras, desconfiadas, o que causa grandes problemas na evolução da relação. Esse descontrole pode levar os ciumentos a protagonizar cenas ridículas e constrangedoras em público. De uma forma geral, embora se verifique a conservação de convicções desajustadas, é comum a insensibilidade dos ciumentos intensos e excessivos à contradição quando colocados em uma situação de confrontamento com as crenças que fundamentam seu estado afetivo.

                De acordo com CAROTENUTO (2004), a pessoa ciumenta não consegue manter uma relação de objetividade com os fatos, de maneira que eles são interpretados a partir de uma perspectiva obsessiva, favorável às suspeitas. Levando-se em consideração o que foi escrito anteriormente, podemos entender que uma emoção intensa como o ciúme patológico pode ultrapassar os limites de controle egóico e prejudicar a capacidade de raciocinar com clareza e objetividade, o que pode conduzir o ciumento mórbido a atos violentos. Assim, O drama de Shakespeare, “Othelo: O mouro de Veneza” repete-se atualmente e se atualiza diariamente na lembrança e na interação de muitos casais vitimizados pelo ciúme patológico. Tanto que a este quadro sintomalógico bastante específico deu-se o nome de Síndrome de Otelo. Dessa forma, pode-se dizer que muitos Otelos e Desdêmonas situados no Terceiro Milênio encenaram e encenam um texto similar em sua relação afetiva-sexual com os parceiros na vida real. Para alguns o ciúme é visto como uma espécie de zelo, um sinal de amor, como um renovador de relacionamento desgastado e valorização do parceiro; para outros, denota de insegurança e auto-estima rebaixada.

           De acordo com ADLER (1967) a finalidade do ciúme é roubar a liberdade do outro, fazê-lo andar em determinado trilho ou mantê-lo acorrentado. E costumeiramente observa-se esta tendência quando verificamos que em muitos casos o ciúme está totalmente relacionado ao poder, à dominação e ao aprisionamento do companheiro. Questionamos se o ciúme seria sempre negativo para o relacionamento ou se também teria seu lado positivo, dependendo da atitude do ciumento. Será que o ciumento que usa este sentimento para refletir sobre si mesmo e sobre seu o relacionamento vai tentar aprisionar e vigiar a pessoa que ama? Será que dominar o ser amado com práticas ciumentas evita a tão temida traição? Na prática clínica, observamos que nada é capaz de evitar a traição, pois até mesmo uma pessoa presa à cama por algemas pode pensar e se imaginar traindo seu parceiro. É claro que poucos casos chegam a um extremo desses, mas podemos observar que a pessoa que quer trair, acaba criando algum jeito de fazê-lo, por mais que seja vigiada e controlada. Às vezes, ocorre até mesmo a traição para assegurar sua autonomia em relação ao parceiro possessivo, para provar para si mesma que não tem dono ou que ninguém manda nela. Às vezes, há sentimentos de vingança contra a tentativa de aprisionamento.O ciumento vive em constante sofrimento, o que lhe causa estresse, descontrole emocional e o relacionamento fica tenso. Esse descontrole pode levá-lo a protagonizar várias cenas constrangedoras em público. Apesar do sentimento de culpa que carrega, seu pensamento obsessivo pode ocasionar a perda da(o) parceira(o). Logo, instala-se um paradoxo, pois todo seu sofrimento se resume no medo de perder o outro. No ciúme patológico a pessoa pode ir até ao delírio, construindo pensamentos que só existem na imaginação dela mesma. Mesmo que haja um motivo real para o ciúme, sua mente distorcida o faz ir além.

          Como saber se o ciúme é normal ou se já está com ares de patologia? O ciúme normal é transitório e baseado em fatos reais. A pessoa cujo ciúme é doentio pode, do outro a procura de indícios de infidelidade, das mais diversas formas possíveis. A produtividade (vida laboral e/ou acadêmica) do parceiro acometido pela Síndrome de Otelo fica prejudicada, e muitas vezes, severamente comprometida, pois não consegue pensar em outra coisa além das suas ruminações. Contrata investigador para segui-lo, ou segue-o pessoalmente. Faz tudo que uma mente descompensada, dominada pela desconfiança e insegurança podem conceber.

           Esse modo distorcido de vivenciar o amor faz com que a pessoa experimente várias emoções e situações, assim como: ansiedade, depressão, raiva, vergonha, insegurança, explosões de amor, humilhação, culpa, desejo de vingança. Entretanto, é fundamental repreender o “ciumento” quando este ameaça a integridade física do outro.

            A presença de ciúmes é saudável nas relações amorosas. O ciúmes serve como um sinalizador, uma medida da segurança que se sente na relação. Sua ausência, tanto quanto seu excesso pode prejudicar o relacionamento. No caso do ciúme normal, a honestidade e o reasseguramento do companheiro são importantes.

            Muitas vezes reações de ciúmes são esperadas, por exemplo, na descoberta de uma infidelidade. Quando não há intimidade suficiente no relacionamento, o ciúme também pode se intensificar, pois o companheiro tenta desesperadamente se orientar em uma estrada onde a sinalização não é clara e por isto testa o relacionamento constantemente.

           O ciúme, sentimento de dimensão variável, pode ser simples detonador de briguinhas bobas ou se transformar num estopim de crimes passionais (SANTOS, 1996). O ataque de ciúme possui uma função interpessoal, uma tentativa de controlar o outro. Para isso, joga com a culpa e o terror que o outro possa experimentar, para forçá-lo a amar o sujeito (BLEICHMAR, 1987).

           A dependência afetiva e ou financeira, dentre outros motivos atribuídos pela vítima,  postergam, a tomada de atitudes contra a violência. O que torna a violência um conflito crônico, aumento a tensão, a depressão, o ciúme e podendo levar a morte de um dos cônjuges. Soares (1999) apresenta alguns outros motivos pelos quais a  vítima permanece em um relacionamento marcado pela violência: esperança de que o marido mude o comportamento, isolamento, negação social, barreiras que impedem o rompimento, crença no tratamento dos   agressores, riscos  do  rompimento,   autonomia econômica e o fato de que para finalizar a relação é necessário um processo moroso. Numerosos fatores contribuem para que muitas mulheres desistam de levar adiante suas denúncias. Entre eles, encontra-se a situação de fragilidade da vítima, o descaso dos órgãos competentes (a falta de boa vontade em prestar esclarecimentos à vítima por parte das autoridades), a burocracia a ser enfrentada pelo desconhecimento das leis, o medo das ameaças impostas pelo agressor, a falta de ter para onde ir e a dificuldade em manter a si  e a seus filhos. Há uma gama de motivos que levam a permanência em relacionamentos violentos, que acabam por desenvolver um ciclo, o qual, a pessoa encontra grande dificuldade em rompê-lo. A noção de posse das vítimas dos parceiros ciumentos, pelos agressores, em muitos casos é nítida, “é minha e de mais ninguém”. Suas inseguranças são colocadas na relação e o distanciamento da pessoa dita “amada” é percebido como um risco a sua própria sobrevivência. Os agressores ao não conseguirem lidar e conter suas ansiedades e frustrações, acabam por delinqüirem. Desta forma, vai depender da maneira como esta relação adulta se construirá para que se criem ou não oportunidades para o desenlace de um delito grave. Este delito normalmente é o último elo de uma cadeia de acontecimentos de progressiva gravidade que podem ser alvo de uma ação preventiva por parte de agentes cuidadores (família, agentes de saúde formais e informais).


E o que fazer para acalmar o ciúme doentio?


1)     O ideal é o ciumento colocar-se no lugar do outro, imaginando o quanto dói ser acusado de algo que no íntimo, tem-se a certeza da inocência;

2)     Confiar mais em si mesmo, reconhecendo suas virtudes e cultivar suas qualidades;

3)     Recuperar a auto-estima, que a esta altura já está quase totalmente ausente;

4)     E, em caso de violência pelo(a) parceiro(a) motivado ou não a quadros de ciúme patológico deve-se denunciar o agressor. A grande maioria das mães que optam por essa alternativa não a faz de imediato. Elas costumam levar anos para terem coragem para enfrentar o marido e as conseqüências. Quando ocorre a denúncia, em cerca de dois terços dos casos, as mães levam a notícia do crime à autoridade policial e se separam do companheiro;

5)     Reunir esforços para que a pessoa acometida pelo ciúme patológico inicie e permaneça, enquanto os sintomas perdurarem, um tratamento psicoterápico.


          Os sentimentos de posse e exclusividade em relação ao outro também podem estar relacionados ao modelo familiar que a pessoa teve. Segundo ARAUJO (2005) a criança que foi criada por pais que focalizaram toda sua atenção nela, deixando de lado outros papéis em sua vida (como o de marido, esposa, profissional, por exemplo), terá dificuldades para se relacionar com mais de uma pessoa. Assim, ela tenderá a se relacionar apenas com uma pessoa, vivendo em função dela e exigindo exclusividade, o que dificultará sua socialização e relacionamento amoroso, já que sentirá ciúme sempre que seu parceiro se relacionar com outras pessoas além dela. Levando-se em consideração as idéias desta autora, podemos pensar que um possível trabalho psicoterapêutico com o ciumento patológico poderia ser a compreensão de que existem outros modelos familiares mais saudáveis e mais abertos. A ampliação da sociabilidade do ciumento patológico poderia ser um caminho para a diminuição deste sintoma, assim como o aprendizado de dividir a atenção de sua companheira com outras pessoas.


Considerações finais


            As causas do ciúme são diversas, pode ser incondicional ou até mesmo suscitado pela atitude do outro na relação. De qualquer forma, o denominador comum das consequências do mesmo é a dor causada pelo pensamento da perda (para acometidos e vítimas), além de ser um apelo ao amor.  E, se não nos dermos o trabalho de refletir a respeito deste tema, talvez estejamos perdendo uma preciosa oportunidade para otimizar a qualidade dos nossos relacionamentos amorosos os quais tanto valorizamos e os quais queremos preservar por meio dos mecanismos do ciúme. E se assim, quer como vítimas ou como algozes, se não o admitirmos em nosso cotidiano, podemos deixar de investir no relacionamento que realmente nos é tão caro e libertarmos os parceiros vítimas de nosso “inexplicável” desassossego para que assim possamos recuperar parte de nós mesmos que talvez esteja se perdendo para um fenômeno que nos faz marionetes de nossas próprias emoções.

           Desta forma, a prevenção e orientação são fundamentais. Ao compreendermos a complexidade do fenômeno psicossocial do ciúme para a violência entre os parceiros, poderemos melhor auxiliar  os inúmeros casais que padecem desse problema em sua própria defesa, não só trabalhando com as vítimas, como também com os agressores, para que não perpetuem sua conduta.



Referências

ADLER, A. Traços agressivos de caráter. In: ADLER, A.  A ciência da natureza humana Tradução G. Rangel; A. Teixeira.  São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1967, p. 174-  205, 1967.

ARAUJO, C. A. Pais que educam: uma aventura inesquecível. São Paulo: Gente, 2005.

ASUÁ, J.  Psicanálise Criminal. Buenos Aires: Depalma, 1990.

BALLONE, G. J. Ciúme Patológico. Disponível em: <http://sites.uol.com.br/gballone/voce/ciume.html   Acesso em: 15 de julho, 2004

BLEICHMAR, H. O Narcisismo: estudo sobre a emancipação e a gramática inconsciente. Porto Alegre: Artes Médicas, 1987.

BRINGLE, R. G. Romantic jealousy. Social Perspectives on Emotion, v. 3,  p. 225-251, 1995.

CAROTENUDO, A.  Amar Trair: quase uma apologia da traição. São Paulo: Paulus, 2004.

CAVALCANTE, A. M.  O ciúme patológico. Rio de Janeiro: Rosa dos Tempos, 1997.  

CENTEVILLE, V.; ALMEIDA, T. Ciúme romântico e sua relação com a violência.  Psicologia Revista, v. 16. (no prelo)

CLANTON, G.  Frontiers of jealousy research. In: CLANTON, G.; SMITH, L. G. (Eds.). Jealousy.  Lanhan, New York, Oxford: University Press of America, 1998. p. 241-247.

DE GREEF, É.  Amour et crimes d’amour. Bruxelles: C. Dessert, 1942/1973.

HINTZ, H. C.  O Ciúme no Processo Amoroso.  Pensando Famílias, v. 5, n.5, p. 45-55. 2003.

KAST, R.  Pathological jealousy defined. British Journal of Psychiatry, v. 159, n.590, 1991.

KINGHAM, M.; GORDON, H. Aspects of morbid jealousy. Advances in Psychiatric Treatment, v. 10, p. 207-215. 2004.

LEONG, G. B. et al.  The dangerousness of persons with the Othello Syndrome. Journal of Forensic Sciences, v.39,  p.1445-1454. 1994.

ROSSET, S. M. O casal nosso de cada dia. Curitiba: Editora Sol, 2004.

SANTOS, E. F.  Ciúme - O medo da  perda. São Paulo: Ática, 1996.

SOARES, B. M. Mulheres  Invisíveis: Violência conjugal e as novas políticas e segurança. São Paulo: Record/Civilização Brasileira, 1999.

TODD, J.; DEWHURST, K.  The Othello Syndrome: a study in the psychopathology of sexual jealousy. Journal of Nervous and Mental Disorder, v.122, p. 367-374, 1995.



*Doutorando do Departamento de Psicologia Clínica do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (IPUSP). 

** Mestre pelo Núcleo de Estudos Junguianos do Departamento de Psicologia Clínica da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).

*** Profa. Associada e Coordenadora Geral do Laboratório Apoiar - USP

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Perfil do Autor

Autoria: Thiago de Almeida Psicólogo (CRP: 06/75185). Mestre pelo Departamento de Psicologia Experimental do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo e doutorando do Departamento de Psicologia Clínica do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo. SIte: www.thiagodealmeida.com.br Seu consultório, em São Paulo, fica situado à Avenida Pedroso de Morais, n. 141. Cep: 05419-000 Pinheiros-SP Tel (11) 3812-5717 (atendimento de quintas e sextas-feiras, com hora marcada). Seu novo consultório, na cidade de São Carlos, fica situado à rua Dom Pedro II, n. 2066 (atendimentos às quartas-feiras, com hora marcada) fone (16) 3374-7534 ou (16) 3376-1129.









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